Código Penal Comentado Art. 3°
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DIREITO PENAL COMENTADO
Livancler de Oliveira
8/24/20253 min read
Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Em resumo: se o governo cria uma lei especial para uma situação de emergência (como uma guerra ou uma pandemia) e essa lei tem uma data para acabar, ela só vale durante aquele período. Porém, se alguém comete um crime enquanto essa lei especial está valendo, essa pessoa será julgada por ela, mesmo que o julgamento aconteça depois que a lei já expirou. A lei "volta no tempo" para pegar o fato que ocorreu quando ela ainda estava viva.
O reino de Elsinore era um lugar de ordem e tradição, mas mesmo os reinos mais pacíficos podem ser atingidos pela adversidade. Uma praga assolava os campos, fazendo com que as colheitas apodrecessem e o gado adoecesse. Para evitar a fome e o desespero, o sábio Rei Hamlet decretou uma lei temporária, a "Lei de Racionamento do Reino".
O decreto, que teria vigência de um ano ou até a praga ser erradicada, estabelecia que:
Art. 1º: Todo o grão produzido em Elsinore seria recolhido aos celeiros reais.
Art. 2º: A comercialização privada de grãos é expressamente proibida.
Art. 3º: Aos infratores será aplicada a pena de confiscação de todos os seus bens.
O povo, entendendo a gravidade da situação, acatou a lei. Os celeiros reais se encheram e a distribuição igualitária de alimentos garantiu que ninguém passasse fome extrema.
Claudius, um agricultor ambicioso e de caráter duvidoso (e homônimo do famoso tio de Hamlet, mas sem parentesco), viu na desgraça alheia uma oportunidade. Ele escondeu uma parte significativa de sua colheita de trigo em um celeiro secreto. Nos meses seguintes, enquanto o pão era racionado, Claudius vendeu seu trigo no mercado negro a preços exorbitantes para mercadores de terras distantes, enriquecendo ilicitamente.
Seu plano era perfeito: assim que a lei temporária expirasse, ele usaria a riqueza acumulada para comprar terras e status. Ele contava com o esquecimento e o fim da norma para escapar impune.
Passado o ano, a praga foi contida e a colheita seguinte foi farta. O novo decreto real, assinado pelo príncipe Hamlet (agregando duties reais), revogou formalmente a "Lei de Racionamento". O comércio voltou ao normal e a vida em Elsinore seguiu seu curso.
No entanto, os boatos sobre as atividades de Claudius durante a crise chegaram aos ouvidos de Horatio, um jovem e meticuloso servidor da corte, conhecido por sua integridade e mente lógica. Horatio investigou com discrição e, encontrando provas contundentes, levou o caso ao magistrado do reino.
Claudius foi convocado à corte. Confiante, ele chegou com um sorriso arrogante.
— "Por que fui convocado, magistrado? Não cometi crime algum. A Lei de Racionamento já não existe mais. Vocês não podem me punir por algo que hoje é permitido!", argumentou, orgulhoso de sua esperteza.
O magistrado, um homem idoso e de semblante grave, olhou para Horatio e pediu que ele explicasse.
Horatio ergueu-se e, com voz clara e firme, dirigiu-se à corte:
— "A alegação de Claudius é um engano. Sim, é verdade que o decreto foi revogado. Mas o fato que ele praticou — vender grãos ilegalmente — ocorreu durante a vigência estrita da lei temporária. O princípio que rege nossa justiça, conforme ensinado pelos melhores juristas, é claro: a lei excepcional ou temporária, mesmo após seu término, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência."
Claudius perdeu a cor. — "Isso é injusto! A lei acabou!"
— "Pelo contrário", contra-argumentou Horatio. "Seria a verdadeira injustiça deixar impune um crime que, no momento em que foi cometido, era expressamente proibido e ameaçava a sobrevivência do reino. A lei pode ter terminado, mas a sua sombra ainda alcança os atos praticados sob sua vigência. Você se aproveitou do sofrimento do povo e quebrou a lei quando ela estava em pleno efeito. A revogação não apaga o seu crime passado."
O magistrado concordou com Horatio.
— "Claudius, você será julgado pela 'Lei de Racionamento do Rei Hamlet'. Sua pena será a prevista: o confisco de todos os seus bens."
Claudius perdeu tudo o que tinha, inclusive a riqueza ilícita que havia acumulado. A decisão serviu como um alerta para todos em Elsinore: a lei não é um jogo de oportunidades, mas um pacto contínuo de justiça. O fato de uma lei terminar não concede anistia àqueles que a desrespeitaram quando ela estava em vigor.
Horatio provou que o conhecimento da lei é a armadura contra a injustiça e que nenhum cidadão pode se esconder atrás do tempo para escapar das consequências de seus atos. O princípio do Art. 3º garantiu que a justiça de Elsinore não fosse enganada pela passageira natureza de um decreto, mas sim guiada pela permanente busca pela verdade e equidade.


